O apagão da mentira
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A uma segunda-feira, 28 de abril de 2025, às 10h32 UTC, Portugal e Espanha mergulham em uníssono num apagão elétrico sem precedentes. Minutos depois, uma notícia falsa assinada pela CNN em Bruxelas, que nem existe, rapidamente se torna viral a dar conta de um ciberataque a nível europeu que deixara vários países completamente às escuras. Com todos os portugueses e espanhóis, cidadãos e empresas – dois países, 60 milhões de habitantes – mergulhados numa “escuridão” de mais de 12 horas de meios de comunicação para a qual ninguém se tinha preparado, apenas as ondas hertzianas sobrevivem com a facilidade com que a rádio se sobrepõe face a tudo o resto graças à sua humilde exigência de capacidade elétrica. Com a esmagadora maioria da população sem qualquer capacidade de comunicação remota, nada mais restava senão acreditar piamente em cada informação debitada por rádios a pilhas, onde os “factos” que explicavam o que nos estava a acontecer oscilavam entre ataques russos, incêndios de grandes proporções no Sul de França, ciberataques e explosões em centrais em Espanha. As estações de televisão estiveram no ar com notícias, mas ninguém as viu por falta de um televisor que funcionasse. Hoje, contas por alto, apenas se sabe de dois mil milhões de euros estimados em prejuízos em Portugal e que nenhuma – repito, NENHUMA – das causas apontadas no próprio dia para o apagão é verdadeira.
Este relato de “tempestade perfeita” parece fabricado para qualquer simulacro de crise. Mas a verdade é que dois países da União Europeia conviveram com várias frentes de crise simultânea, que geralmente apenas são trabalhadas isoladamente em manuais de crise. Enquanto o que é real criava um cenário de impotência na indústria, nos serviços e na sociedade, a engenharia da desinformação semeava o caos com notícias falsas que nem precisam de servir a qualquer agenda. Milhões de porta-vozes com coisas urgentes para dizerem não tinham como fazê-lo e os gabinetes de crise que rapidamente se reuniram não sabiam qual caminho seguir, com várias empresas a apenas conseguiram recorrer a informações escritas afixadas nas portas, como se estivéssemos em 1970.
Curiosamente, no rescaldo de todo o episódio, tanto as equipas da H-Advisors que estiveram no terreno a acompanhar vários ângulos desta crise como os clientes estão concertados num ponto: o maior desafio de comunicação ao longo do dia, por incrível que pareça, foi correr atrás da desinformação e combater notícias falsas. O poder da desinformação hoje é de tal ordem que já se sente um efeito perverso de, depois de se acreditar em qualquer fonte, não se confiar em qualquer porta-voz. No decurso da crise do apagão, dou por mim a ser testado por um jornalista ao telefone que me conhece muito bem para ver se era mesmo comigo que estava a falar, não fosse estar perante uma imitação de voz com inteligência artificial. No dia seguinte ligou-me para me pedir desculpa, mas confessou-me estar tão rodeado de informação falsa que começou a desconfiar da própria sombra. Dá que pensar, não dá?
Num mundo onde apenas um quinto das empresas tem um programa de resiliência integrado de forma a garantir a continuidade do negócio em caso de crise, segundo nos revela o PwC Global Crisis & Resilience Survey de 2023, o que se pode aprender com este episódio? Felizmente, vai-se sentindo uma crescente apetência das empresas – pelo menos em Portugal – para a preparação para cenários de disrupção, estando mais conscientes da urgência em terem à mão um bom manual de crise, uma boa narrativa para manter constantemente oleada e uma boa preparação para os seus porta-vozes, que cada vez mais pedem a sua submissão a programas de media training e simulacros de crise. Mas as crises têm novos rostos; os ciberataques, cada vez mais evoluídos e sofisticados, são mais frequentes, e o advento da Inteligência Artificial associada às redes sociais fazem qualquer mentira espalhar-se que nem um balde de berlindes despejado numa calçada.
Em ações de preparação e de formação, os meus clientes perguntam-me com frequência como combater essa desinformação. Não há resposta objetiva e factual para esta pergunta cada vez mais presente, mas o que explico sempre é que o segredo está na nossa história, que tem de ser bem contada, com antecipação, com factos fundamentados e com proximidade aos nossos públicos. Só assim se cria uma narrativa sólida, que não é à prova de bala, mas que ajuda e muito a fundamentar a confiança.
O que nos aconteceu a 28 de abril é de tal forma inédito que dificilmente haveria qualquer preparação que fosse capaz de fazer magia. Mas é um alerta profundo, um susto que tem de ser útil. Para quem gere comunicação, o apagão foi um laboratório vivo que servirá de referência em ações de formação e de preparação de planos de crise e de caso de estudo nos meios académicos. Aprendamos com o que nos aconteceu e estejamos (ainda mais) preparados. Esse já será um passo de gigante e que evitará danos de reputação e materiais que mal geridos podem ser irreversíveis.
Ricardo Salvo, Partner, Comunicação e Gestão de Crise
H/Advisors CV&A